segunda-feira, 21 de maio de 2012

VIDAS TRANSFORMADAS


Autor: Fabiano Alves Pereira

PREFÁCIO

                  Como ilustração, a capa deste conto trás uma sucessão de imagens mostrando uma lagarta que por fim torna-se uma linda borboleta. O objetivo de tais cenas é mostrar que é possível para um ser humano com atitudes indesejáveis no meio social em que ele está inserido, mudar seu comportamento e assim passar a ser reconhecido como uma pessoa de bem. Partindo desta perspectiva, mitos construídos tais como “Pau que nasce torto, morre torto” mostram-se ineficazes.
                  Há uma grande série de relatos da vida real que nos mostram claramente que a regeneração humana é possível. Como que no milagre da transformação da lagarta em borboleta, muitos têm abandonado fortes características negativas já enraizadas mesmo por anos e passando a demonstrar na prática que realmente são grandes exemplos de vidas transformadas.
                  Para mim o universo é como se fosse uma gigantesca máquina cheia de peças interligadas entre si. Cada um de nós é uma parte diferente de fundamental importância. Assim, não devemos jamais desconsiderar o grande efeito que um simples gesto, palavra ou ação de nossa parte pode proporcionar (de maneira favorável ou desfavorável) em relação à harmonia que deve existir de maneira universal.
                  Espero que a leitura deste conto possa levá-lo a acreditar no potencial humano para mudanças e faze-lo perceber que todos nós possuímos meios para proporcionar alguma transformação significativa em relação a alguém que nos cerca. E que assim você possa ser motivado a buscar de forma prática, oportunidades para empenhar-se em usar todos os recursos que possuiu visando o bem estar não apenas individual, mas acima de tudo, o coletivo.
O autor
O Desemprego

Desde muito jovem, seu Gumercindo, um senhor não muito alto, de pele escura, com aparência sofrida pelo desgaste proporcionado por longos anos de serviço diário como boia-fria para uma grande empresa de plantação de eucalipto na cidade de Taiobeiras, [1] acordava quando ainda era madrugada a fim de começar mais um dia de muito esforço e dedicação. Sempre se esforçou a ser um bom funcionário. A vasta experiência adquirida com o tempo granjeou-lhe o respeito e admiração de muitos à sua volta.
Tudo parecia ir muito bem, até que em certa ocasião, seu patrão, o senhor Ozório Inácio de Sá, reuniu todos os funcionários e informou-lhes que a empresa seria fechada. No entanto, assegurou-lhes que era apenas uma questão de tempo, no final tudo ficaria bem, pois lhes garantiu que estava tomando as providências necessárias a fim de empreender em novo negócio. Quando tudo estivesse pronto, recontrataria todos os ex-funcionários.
Tal situação fez com que seu Gumercindo ficasse um tanto preocupado, pois embora ganhasse pouco na plantação de eucalipto, este era o meio usado por ele para sustentar sua esposa e seus quatro filhos. Considerando as garantias de ex-patrão apenas como promessas políticas, viu-se sem esperanças e procurou de imediato encontrar outro emprego. Por quatro meses, dia após dia procurou em vão nos mais variados lugares alguma oportunidade de trabalho.
Certa vez, tentou conseguir uma vaga como polonizador de flores de maracujá em uma grande plantação. Como justificativa para não o aceitarem, foi informado de que em função da má produção decorrente de secas prolongadas que há tempos castigavam o município, era inviável manter um número tão elevado de funcionários.  Assim, não estavam contratando mais pessoas e consequentemente, dentro em breve, muitos seriam demitidos.


Pequenos furtos

Uma de suas filhas, Fernanda, menina de aparência muito bela, estando ao sábado passando entre as barracas da feira, notou uma pequena bolsa sobre uma das bancas. A dona da barraca estava distraída conversando com uma de suas comadres. Assim, Fernanda, tomada pelo desespero, cogitou a possibilidade de apoderar-se de tal bolsa. Ela nunca tinha roubado antes. Embora de família de poucos recursos, sempre tinha sido educada a respeitar o que pertencia a outros. No entanto, naquele momento, o desejo que ela alimentou em relação a apoderar-se de tal bem, sobrepujou as instruções que por longos anos seus pais haviam procurado incutir-lhe. Assim, rapidamente, agarrou a bolsa e discretamente sumiu entre a multidão. Andou alguns metros à frente e próximo ao Banco do Brasil, na Avenida da Liberdade, abriu a bolsa onde havia apenas algumas moedas perfazendo um total de cerca de cinco reais. Jogou a bolsa ali mesmo ao chão e levou o dinheiro para casa. Ao chegar disse:
            - Pai, veja o que consegui!
            - Minha filha! Deus a abençoe, isto vai nos ajudar muito.
            O pai pegou o dinheiro e nada indagou à filha. Sentiu-se feliz, pois o seguro desemprego já havia esgotado, e naquele dia, eles literalmente não tinham nada para comer. A mãe observando atentamente a cena esperou até que Fernanda se retirasse e disse:
            - Gumercindo, temos de saber de nossa filha como ela conseguiu esse dinheiro, não podemos simplesmente aceitar e ficar calados.
            - Calma, Juvelma, sempre orientamos nossos filhos sobre o que é certo e o que é errado, se ela conseguiu este dinheiro, confio nela, sei que o fez de forma digna e honesta!
            Embora Juvelma também confiasse em muito em sua filha, não achou apropriado o proceder adotado por seu esposo. Mas, como era muito submissa, calou-se.
            Fernanda, ao perceber que dois dias haviam se passado e que seus pais não a questionaram, concluiu que fazendo isso mais vezes seria uma forma de ver os seus irmãos mais novos não mais carecendo necessidade e, além disso, conquistar ainda mais o carinho de seus pais. Sendo assim, passou a fazer pequenos furtos quase que diariamente e trazer o que conseguia para casa. Muitas vezes dinheiro, noutras, verduras, frutas e outros alimentos em geral.


O fragrante

Um ano já tinha se passado, Fernanda havia ganhado muita experiência em roubar sem ser notada, achava que nunca seria descoberta.
Um dia, notou um rapaz com cerca de 23 anos aproximar-se de uma barraca de pastéis. Após pedir um pastel de carne e come-lo ali mesmo, meteu a mão em dos bolsos traseiros de sua calça, retirou a carteira, abriu-a e tirou uma nota de dois reais. Após receber o troco, guardou-o dentro da carteira, fechou-a e meteu a novamente no bolso. Fernanda, atentamente acompanhava-o com olhos a certa distância. Percebeu que metade de sua carteira ficou fora do bolso. Viu então a oportunidade de rapidamente retira-la sem que ele percebesse. Assim, tentou executar tal ação. No entanto, por ser de rápidos reflexos, virou-se imediatamente e viu-a correndo em fuga com sua carteira na mão. No mesmo instante, pôs se também a correr em seu encalço. Foi um grande percurso. Ela passou pela Avenida da Liberdade, virou na Praça da Matriz  e seguiu mais à frente, virando à esquerda na Rua dos Pereiras. Desesperadamente entrou em uma construção abandonada (Uma casa parcialmente construída, sem reboco e muros na frente) e escondeu-se em um dos cômodos.

A ilustração

O rapaz (Flávio), entrando na casa logo depois, sabia que se procurasse a encontraria escondida ali em algum lugar. Porém, não procedeu de tal forma, Ao invés disso, tirou de um de seus bolsos dianteiros uma caneta e uma folha de papel e começou a escrever algo. Ao terminar, deixou o papel sobre o chão e retirou-se.
Fernanda, curiosamente acompanhou a escrita por uma fresta na parede. (No entanto sem conseguir ver o que ele estava escrevendo) Esperou um pouco e em seguida aproximou-se da folha de papel, abaixou-se, pegou-a em suas mãos, levantou-se e começou a ler:
-Prezada senhorita, gostaria que, por favor, prestasse detida atenção à seguinte ilustração:
Um certo homem tinha 2 filhos. Certa vez seu filho mais novo disse:
- Pai, eu gostaria de sair de casa, conhecer o mundo, trabalhar... Com o tempo, retornarei para o visitar e ficaria muito feliz se o senhor não me impedisse.
O pai não impediu o filho de tal decisão, mas disse em resposta:
- Por favor meu filho, leve consigo este pedaço de tábua, toda vez que cometeres um erro, pregue um prego nela.
Assim, depois de aprontar algumas coisas o filho partiu.
Dois anos depois, um certo dia o pai avista o filho retornado, sai correndo pela estrada, abraça-o ternamente e diz:
- E aí filho, foi bem sucedido
- Sim pai, fui. Hoje sou um grande empresário. Tenho diversos funcionários, o que proporciona muito dinheiro.
- O pai sentiu-se feliz com o progresso material do filho, mas lembrou-lhe:
- Filho, cadê aquela tábua que dei a você?
Neste momento, mudou-se o semblante do filho, muito triste e envergonhado, retirando de uma de suas malas, mostrou a tábua cheia de muitos e muitos pregos a seu pai.
- Filho, você pretende retornar?
- Sim pai, deixei negócios lá fora. Só estou aqui passando férias.
- Faça o seguinte meu filho, a cada vez que você conseguir consertar um dos seus erros, arranque um prego da tábua.
Depois de passar alguns dias com o pai, o filho novamente se foi.
Cerca de mais ou menos 2 anos após tais acontecimentos, novamente o filho retorna à sua casa. Seu pai percebe logo que dessa vez ele não chega tão feliz como da última vez, e após abraça-lo carinhosamente, indaga:
- O que aconteceu meu filho, não foi bem sucedido?
- Sim pai. Melhor do que dá última vez. Hoje tenho o triplo do número de funcionários que tinha antes, abri filiais no exterior, financeiramente estou ótimo.
- Então filho, por que tal tristeza?
- Pai, lembra-se da tábua?
-Sim. Onde está?
O filho mostra-a ao pai, este percebe que todos os pregos haviam sido arrancados. Assim argumenta:
- Filho se você retirou todos os pregos, que ótimo, isto significa que você conseguiu consertar todos os seus erros. Estou sem entender por que então é que você está tão abatido.
- O filho diz então ao pai:
- Pai, os pregos eu consegui tirar, mas ficaram marcas que não se apagarão jamais!


A Reflexão

Ao terminar a leitura, Fernanda não conseguiu se conter, chorou profundamente, pois entendeu claramente a lição. Refletindo sobre sua vida, compreendeu que se a continuasse conduzindo da forma em que estava, o arrependimento poderia vir de forma tardia, deixando sérias consequências irreversíveis.
Retornando para casa, durante a noite não conseguiu dormir, o que leu causou um profundo efeito sobre ela. Estava disposta a mudar de vida.
No dia seguinte, foi à procura de Patrícia a fim de desabafar. Patrícia desde muito cedo, (com cerca de 10 anos de idade) havia começado a se prostituir. Ao saber das intenções de Fernanda de não mais praticar furtos, e ficando a par do conteúdo da carta, riu desdenhosamente de Fernanda, pois não encarava as coisas de tal forma. Argumentava que a vida dos que se esforçam a agir como a sociedade espera é muito desumana, uma minoria rica, em contraste com uma grande maioria que não tem onde cair morta. Segundo ela, o mundo é dos mais espertos, portanto, não devemos buscar a aprovação das pessoas à nossa volta. Coisas como roubar ou se prostituir são apenas meios mais fáceis e seguros de conseguirmos aquilo que de outra forma dificilmente conseguiríamos e afinal, a vida é nossa, ninguém tem nada com isso, portanto ninguém tem o direito de nos dizer o que é ético e não ético o que é moral e o que é imoral.


Expondo a verdade

Fernanda não deu ouvidos à “amiga”, estava determinada a ser uma nova pessoa, parou com os furtos, mas queria agradecer pessoalmente àquele que contribuiu grandemente para a mudança em sua atitude. Todos os sábados retornava à barraca de pastéis para ver se o encontrava, mas voltava sem nenhum resultado positivo.
Seu pai já havia se acostumado e acomodado por sua filha (Fernanda) sempre aparecer com dinheiro ou alimentos, que não mais saía para procurar emprego. Entretanto, algumas semanas após tais acontecimentos, incomodava-lhe o fato de que Fernanda não mais trazia nada para casa. Assim resolveu pergunta-la:
- Minha filha, o que houve?
Neste momento o coração de Fernanda, disparou. Estava demorando, ela já esperava que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Sem esconder nada, ela expôs aos seus pais toda a verdade.
Numa reação furiosa, seu pai a expulsou de casa, pois não acreditava na mudança de Fernanda, ele berrou:
- Pau que nasce torto, morre torto, se você roubou muitas vezes, com certeza vai voltar a roubar de novo. Que vergonha, que vergonha, não aceitarei uma ladra dentro de casa. Fora daqui, fora daqui!


Resposta à oração

Obrigada a sair de casa, com apenas a roupa do corpo, não sabia o que fazer. Bateu em algumas casas perguntando se precisavam de uma empregada doméstica, mas não encontrou ninguém que pudesse lhe ajudar. Pôs-se a chorar e caindo de joelhos suplicou:
- Oh Deus, confio em ti, por favor, preste atenção aos meus rogos, ampara-me neste momento de aflição, ajude-me!  Ajude-me! Ao abrir os olhos, notou que um homem afixava um anúncio do lado de fora de sua loja que dizia, “Precisa-se de funcionárias”! Enxugando as lágrimas aproximou-se em sua direção e disse:
- Por favor eu gostaria de uma oportunidade.
- Quem é você?
Embora temerosa, ela respirou fundo e contou a ele tudo o que tinha ocorrido. Ele chamou sua esposa, e após conversarem, resolveram dar um voto de confiança à moça que parecia muito sincera.
Com a ajuda do senhor Samuel e de sua Esposa Adriana, donos de uma loja de roupas muito conhecida em toda a cidade, conseguiu se hospedar em uma pequena pensão por um preço bem abaixo do comum. Agora não estava mais só, havia pessoas realmente dispostas a ajudá-la.


O reencontro

            Fernanda era uma excelente funcionária. Antes de ir para a loja gostava de caprichar no visual, se arrumava muito bem. Atendia os fregueses de uma forma muito cordial, sempre com um belo sorriso muito doce e com palavras muito suaves.
            Um dia, em época de fim de ano, o comércio muito agitado em virtude das compras para o natal, final do expediente, já um pouco cansada por um dia bem atarefado de trabalho, todas as outras funcionárias já tinham ido embora, apenas ela estava lá, pois era encarregada de fechar a loja, entra um rapaz um pouco tímido e diz que gostaria de comprar uma calça. O cansaço não a impediu de tratá-lo de maneira muito cordial. Ao ver aquele doce sorriso, ficou cativado, sentiu seu coração bater mais forte, nunca tinha sentido isso antes, será que tinha se apaixonado? Além de comprar uma calça, o rapaz comprou também uma camisa, despediu e se foi. Depois desse episódio, pelo menos uma vez por semana retornava à loja. Seu pretexto era sempre o de comprar algo, no entanto, a verdade era que buscava oportunidades de ver Fernanda, pois ficar sem vê-la por apenas alguns dias era motivo de fazê-lo perder noites de sono, sonhando com aquele jeito tão carinhoso que ela lhe tratava.
Passado cerca de um mês, ao entrar na loja, percebeu que não havia movimento, apenas Fernanda estava lá, arrumando algumas roupas. Aproximou-se e começou a conversar com ela perguntando lhe como havia sido o dia, se havia vendido muito... Ficou sem palavras, pois apreensivo como estava, não sabia mais o que dizer. Um silêncio constrangedor invadiu a loja, ele criando coragem, segurou-lhe a mão que estava sobre o balcão e olhou bem fundo nos seus olhos. Neste momento, Fernanda, sentiu um forte desejo de fazer algo que nunca havia feito antes. Retribuindo o olhar profundo, e mesmo com as mãos suando, encostou-se cada vez mais perto dele, fechou os olhos e ele lhe deu um beijo apaixonadamente. Ao abrir os olhos, Fernanda passou a contemplar aquele rosto sereno e desconfiou que aquela face lhe era familiar. Forçou um pouco a memória e num ímpeto a lembrança lhe veio à tona, causando nela um grande espanto. Aquele rapaz era aquele que ela havia roubado a sua carteira há um tempo atrás. Descontrolada, começou a chorar. Ele não entendeu, pois não lembrava de sua fisionomia. Ela pediu desculpas e disse a ele que, por favor, retornasse outro dia, pois ela tinha que fechar a loja. Ele disse:
- Está tudo bem mesmo, me desculpe se fiz algo que não devia, quer que eu a leve em casa?
Ela respondeu dizendo que não precisava, e disse ainda chorando:
- Por favor vá embora, vá embora!
Todo sem jeito, não lhe houve alternativa se não a de se retirar.
Aquele beijo não saía do pensamento de Flávio. Todos os dias ao ir para o trabalho passava próximo à loja e a certa distância ficava a admirá-la. Não se aproximava mais, pois tinha receio do que poderia acontecer.  Acreditava que havia um bom motivo para Fernanda ter reagido de tal forma. Mas não sabendo a real causa, ficou intrigado.

 
A lição de não julgar


Passados 15 dias, lá estava ele novamente a observá-la, mesmo de longe. Fernanda percebeu a sua presença, mas fingiu que não vê-lo. Em sua casa à noite, meditou profundamente em como dizer lhe a verdade, porém a angústia e o temor lhe controlavam a mente e o coração. Sentia medo, medo da rejeição. Como ele a encararia ao descobrir que por muito tempo ela tinha sido uma ladra? Não era possível saber a sua reação, ao menos que lhe contasse toda a verdade. Assim, Fernanda reuniu coragem de decididamente, no dia seguinte ao vê-lo parado do lado de fora, não perder a oportunidade. Cogitou durante boa parte da noite sobre o que dizer. Depois de algumas horas, caiu em profundo sono.
Na manhã seguinte, acordou bem cedo. Depois de arrumar-se como de costume e tomar o café da manhã, partiu em direção ao trabalho. Chegando lá, não demorou muito para avistá-lo do outro lado da rua. Assim, foi ao seu encontro, e ali em plena praça Joaquim Teixeira, lançou-se em seus braços e abraçou-lhe de maneira muito terna, dizendo em seu ouvido que o amava tanto e tinha muito medo de perde-lo.
Dita a verdade de modo completo, a emoção tomou conta dos dois.
Para sua surpresa, ele retirou um lenço do bolso e enxugando-lhe o rosto, disse calmamente:
-Querida Fernanda, há alguns anos atrás precisei fazer uma viagem à Montes Claros.  Na rodoviária, havia uma fila enorme, muitos querendo entrar no ônibus, prestes a partir. Uma senhora com um bebê nos braços percebeu que não havia mais poltronas vazias, assim ficou de pé. Ao seu lado um rapaz, estando sentado disse:
- Senhora, se desejar eu posso segurar o bebê.
Ela, com semblante fechado, lhe entregou a criança e aproximando-se a mim que também estava de pé um pouco mais atrás, sussurrou em meu ouvido:
- Como pode? Ora, “Eu posso segurar o bebê”! Um rapaz tão jovem, isso é o máximo que ele pode fazer? Nem sequer me ofereceu o lugar!  Educação?  Zero! Ah, o mundo hoje é assim mesmo, as pessoas só pensam em si, ninguém se importa mais com o próximo.

- Chegando ao local de destino os passageiros começam a descer. A senhora ainda mal humorada, retirou o bebê dos braços daquele rapaz, sem ao menos agradecer-lhe.
Fora do ônibus, arrumando os seus pertences, uma cena chamou-nos a atenção. Observamos descendo do ônibus, aquele mesmo rapaz sendo carregado pelos braços de um outro homem.  Viramos-nos para o lado, e notamos a cadeira de rodas pronta para recebê-lo. Foi só aí que percebemos: Aquele rapaz era deficiente físico!

A partir de tal acontecimento, tornei-me uma outra pessoa, passei a perguntar-me: Por que julgamos outros? Por que olhamos a aparência externa das coisas? Por que não confiamos em nossos semelhantes? Decidi que na medida do possível iria contribuir ao máximo para que as pessoas agissem de modo diferente. Conclui que isso só seria possível educando-as. Desta forma, formei-me como professor e sempre que possível conto ou escrevo alguma ilustração, pois creio que todos merecem um voto de confiança, penso que todos podem mudar e acredito sinceramente em sua mudança. Só o fato de não me ter escondido nada, é uma prova de que realmente deseja construir um sólido e sério relacionamento, sem mentiras, baseado em confiança mútua e com boa comunicação.
Tais palavras fizeram com que ela admirasse Flávio ainda mais. Flávio mostrava ser um excelente exemplo de força de caráter e muitas outras qualidades desejáveis.


 
De volta ao lar

Incentivada por seu namorado, Fernanda foi à procura de seus pais, estava com muito medo. Ao chegar, percebeu que os ânimos haviam-se acalmados. Seu pai não estava mais desempregado, agora trabalhava em uma empresa de reciclagem ganhando três vezes mais do que ganhava anteriormente. O senhor Ozório havia cumprido sua promessa, todos os ex-funcionários haviam sido recontratados para trabalharem em um novo negócio, uma usina de reciclagem. Depois de conversarem por cerca de uma hora, Fernanda pediu que seu pai a perdoasse por tudo que tinha acontecido. Seu pai abraçou-lhe e disse que ela que o deveria perdoar, pois refletindo melhor no que aconteceu, reconheceu que ele tinha uma grande parcela de culpa, pois, desde o início deveria ter escutado sua esposa e procurado saber onde e como ela conseguia o que trazia para casa, e assim teriam cortado o mal pela raiz. Assim ele se considerava de certa forma culpado e responsável pelo que aconteceu. Fernanda, entretanto, assegurou-lhe que sempre o considerou um excelente pai, agradeceu-lhe pela boa educação recebida desde pequenininha e disse que ela foi a única responsável e culpada por tudo que havia acontecido, mas que lamentava muito ter conduzido a sua vida de tal forma contrária àquilo que havia recebido de berço.
Após abraçarem ainda mais, decidiram não mais falar de tal assunto.  Resolveram colocar uma pedra no passado, pois concluíram que viver de passado seria sofrer duas vezes. Assim, procuraram recomeçar uma nova vida. Fernanda, seu pai, sua mãe, seus três irmãos mais novos e o apoio de Flávio que foi muito bem acolhido por toda a família.
Após cerca de um ano, Fernanda e Flávio se casaram e foram morar a apenas algumas quadras depois da casa dos pais de Fernanda.  Deste modo, Fernanda pôde continuar a dar atenção às necessidades materiais e emocionais de seus pais que nesta ocasião já eram bem idosos.



E Patrícia?

Desejando saber o que havia acontecido com sua amiga Patrícia, visto que havia perdido o contato, há anos não a via, foi à casa dos seus pais e perguntou sobre ela.
Ficou muito alegre quando soube que Patrícia com o tempo caiu em si, deu-se conta que não devia conduzir a vida da maneira como estava agindo. Encontrou um emprego decente, e por mostrar muito comprometimento, foi aos poucos ganhando a confiança e o respeito das pessoas que a conheciam.
Chegou a ter um relacionamento sério, que levou-a ficar noiva. No entanto, preocupada com sua saúde, resolveu fazer alguns exames, foi aí que descobriu que infelizmente estava com AIDS. A doença foi definhando-a cada vez mais até que por fim levou-a a morte.
Ao ouvir este relato verídico, Fernanda reconheceu de forma ainda mais firme a veracidade da declaração que lera tempos atrás: “Os pregos eu consegui tirar, mas ficaram marcas que não se apagarão jamais”. Sim, o homem colhe aquilo que planta. Nossa vida futura será fruto das escolhas que agora estamos fazendo.

O novo negócio do senhor Osório

Numa bela tarde de primavera, Flávio e Fernanda foram visitar a usina de reciclagem onde seu Gumercindo trabalhou até se aposentar. Ao chegarem, foram cordialmente recebidos pelo proprietário, o senhor Osório. Depois de conversarem um pouco, Fernanda querendo tirar uma dúvida, perguntou-lhe:
- Senhor Osório, o que o motivou a deixar os negócios com eucalipto e construir uma usina de reciclagem?
Ao que ele respondeu:
- Tudo aconteceu há algum tempo atrás quando cheguei em casa e  notei um exemplar do Jornal Folha Regional sobre a mesa. Um artigo em especial chamou-me a atenção. Ainda recordo vividamente o que nele dizia:
“Hoje, ao amanhecer o dia, encontrei-me não na alegria, mas sim na tristeza.
Irei explicar:
No início eu era linda, já posei muito para fotos e todos me admiravam.
Na aurora de cada manhã, a sinfonia dos pássaros encantava a todos. Eu não me preocupava, pois a cada dia que passava me tornava cada vez mais bela.
É, mas a realidade é que os tempos mudaram. O Homem se tornou ruim.
Quantas e quantas vezes até mesmo fogo puseram em mim.
Hoje sou feia, suja, contaminada.
Mas espere, eu ainda não morri. Mesmo difícil, minha situação poderá reverter-se e eu voltarei a ser bela outra vez.
Isso irá depender em grande parte de você.
Ih, é mesmo, eu já ia esquecendo de me apresentar. Sabe quem sou?
Sou a Natureza, devastada e poluída.
Até amanhã! Quer dizer:
Se amanhã eu ainda existir”.
O que li me fez refletir concernente a que contribuição eu estava proporcionando ao meio à minha volta. Percebi que uma usina de reciclagem seria muito mais benéfica no intuito de proporcionar algo de bom às gerações futuras. Não me arrependo do que fiz, se o homem não fosse dominado por um senso de orgulho egoísta, pensado apenas no seu bem estar próprio e estando mais interessado com o bem estar de outrem, a vida certamente seria muito mais satisfatória. Nem todos, principalmente muitos grandes empresários que conheço, elogiam o que fiz. Mas não me importo. Estou em paz com minha consciência. Mesmo que todos pensem e ajam diferente, o importante é que eu estou fazendo a minha parte.
Flávio acompanhou silenciosamente as palavras proferidas pelo senhor Osório. Apenas ao chegar em casa é que comentou algo a respeito. Procurou em seu arquivo um exemplar daquele número do Folha Regional, ao encontra-lo disse a Fernanda que sentia-se muito feliz com a experiência que acabara de presenciar, pediu a Fernanda que lesse atentamente o artigo, ela o leu, arrepiou-se ao final da leitura que dizia: “Autor: Flávio Santos”. Sim! Aquele artigo havia sido escrito por esposo. Assim, mais uma vez, Fernanda percebeu que não é preciso se fazer muito, é por meio do que parece ser pequenas ações que são produzidos grandes resultados, através deles, notamos exemplos claros de vidas transformadas!


[1]     O município de Taiobeiras está localizado no extremo norte do Estado de Minas Gerais. Compõe com outros municípios a Zona Fisiográfica de Itacarambira e a Microrregião homogênea do Alto Rio Pardo (159) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
      Junto com Águas Vermelhas, Montezuma, Rio Pardo de Minas, Rubelita, Salinas e São João do Paraíso, Taiobeiras configura a Microrregião 53 de Salinas, da macrorregião 8, no contexto das Regiões Administrativas (RA) da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral do Governo do Estado de Minas Gerais.
      O município compõe uma das nove microrregiões da associação dos municípios da área mineira da Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE, a AMANS, denominada Alto Rio Pardo, integrando os Vale do Rio Pardo e do Rio Jequitinhonha. (Fonte: Prefeitura Municipal de Taiobeiras)