terça-feira, 6 de julho de 2010

O QUE A SAGA CREPÚSCULO ENSINA SOBRE PAIXÃO, VIRGINDADE E ADOLESCÊNCIA

LUÍS ANTÔNIO GIRON*

Morrer ou morder, eis a nova questão. A Saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, arrancou o nada das entranhas da metafísica. A obra nos adverte que o espírito e o amor se sobrepõem à vida. Ensina que tudo vale a pena se a dentada não for pequena. De súbito, encontramo-nos todos em plena selva em uma batalha em que ninguém cogitava participar, insitintos contra a alma, acaso versus transcendência. Há uma criatura controladora a vigiar cada movimento, censurando nossas fraquezas. Eu não confio nesse vampiro pálido cujas faces pálidas de lorde Byron ocultam o ímpeto de um déspota oriental. Byron aparentemente se sacrificou à liberdade. Edward preconiza a escravidão da alma. Não gosto de Edward (Robert Pattinson), mas minhas filhas o amam. O garoto-morcego da franquia bíblio-cinematográfica veio para ficar e oficiar o rito de passagem dos adolescentes que, ao adentrarem na idade adulta, aconselha, devem se comportar como bons cidadãos, de preferência no outro mundo. O que, então, Crepúsculo tem a ensinar sobre a vida?

Vamos responder à questão de forma pausada e racional. Comecemos pela novidade. A terceira parte da série, Eclipse, estreia cercada de segredos de polichinelo e excitações forçadas. Gente acampou em Los Angeles para a avant-première da terceira parte da adaptação cinematográfica da tetralogia – tetralogia que, por razões do enorme sucesso da franquia, tornou-se pentalogia no cinema. Por aqui, centenas de espectadores fantasiados de vampiros e lobisomens enchem as salas de projeção. Até os mais velhos aderiram, como procuramos mostrar na reportagem de Época. Descobrimos mulheres de mais cinquenta anos levadas por suas filhas a esperar nas longas filas para assistir ao filme. A culpa não é das senhoras, mas desta nossa cultura da banalidade, do ridículo e da anulação da esperança. Restam seres fantásticos para alimentar o escapismo do público. Isso demonstra também que há um nicho de mercado a ser explorado: as consumidoras neovirgens, aquela fatia de mulheres que anseia pela restauração de uma inocência irremediavelmente extraviada. As virgens de cinquenta anos são insaciáveis em sua busca pelo príncipe encantado, pelo sonho jamais cumprido.

Os vampiros vegetarianos (legenda: que não bebem sangue humano) e suas donzelas casadoiras estão mudando o modo como os jovens, adolescentes, adultos e anciãos encaram a realidade e produzem seus enredos fantásticos. Parece que a atual geração regrediu centenas de anos na cadeia evolutiva dos usos e costumes amorosos. Muito já se especulou sobre as razões profundas que levam os consumidores, em especial as adolescentes, ao fascínio pelo vampirismo. O sangue simboliza o ato sexual. Seu derramamento, a reafirmação da submissão feminina. Crepúsculo aparentemente inverte os sinais e transforma a vítima em sujeito ativo. A heroína Bella, vivida no cinema por Kristen Stewart, assedia sexualmente o vampiro, que tenta escapar de seus braços. E isso mais uma vez acontece em Eclipse. Edward reafirma seu amor por ela, garantindo-lhe a pureza. Esta deverá ser maculada apenas após o casamento. Num lance de xadrez genial, o vampiro recua um cavalo para atrair sua presa ao cheque-mate. Conhecedor da índole feminina, Edward sabe que, ao se esquivar, fará sua vítima cair na armadilha de modo inevitável.

Eis a jogada: Bella se julga a dona de seu destino, mas não passa de uma presa fácil. Entrega sua vida a Edward para que assim, no além-túmulo, ele possa realizar seus desejos. O tão sonhado ato sexual consigna a submissão da jovem. Sabemos que eles consumarão o ato mergulhados nas águas de Angra dos Reis, no quarto volume da série, e que Bella engravidará de um perigoso bebê vampiro, que fará seu útero quase explodir. O último volume da “saga” conta as agruras de uma mãe com medo de perder o filho e ser obrigada, supremo pecado, a abortar.

O paradoxo é que Bella só se realiza como mulher no instante em que morrer. Ela já não possui sangue nem coração. É uma morta-viva esvaziada de todos os seus fluidos vitais. Encontra-se condenada à vida eterna, a assistir ao desfile dos seres e desejos alheios pela entediante passarela da História. Como, então, poderá sentir luxúria? Ou pior: como conseguirá atrair um vampiro antigo como Edward, que já viu essa cena se repetir milhões de vezes? Ela própria cultivará sentimentos e desejos sub specie aeternitatis? Talvez não, porque ela terá de sorver sangue para manter a perpetuidade de seu ser.

Sangue de animais ou de seres humanos, não importa quando a não-vida está em jogo. Até no universo dos espíritos as ideis de Charles Darwin vigoram, pois há uma luta pela sobrevivência das espécies sobrenaturais, e assim também elas, como as espéceis terráqueas, são passíveis de evolução. De acordo com a mitologia de Stephenie Meyer, os vampiros se civilizaram em 1918, quando o doutor Carlisle Cullen salvou doentes terminais de influenza espanhola. Transportou-os de maca até o mundo eterno, mordendo-lhes as jugulares, para que se tornassem a um só tempo vampiros e membros de seu clã. Assim surgiu Edward, mantido intacto em seus 17 anos de 1918, com direito à mentalidade conservadora de então (como se naqueles tempos não houvesse a ousadia de Picasso e dos dadaístas, entre outras audácias comportamentais). Por isso ele age como o guardião da virgindade de sua presa. As leis do sexo vampiro são simples: ou você morde, ou morre. Não existe a dicotomia hamletiana “ser ou não ser”. Ser não importa. Não há ontologia no outro mundo, nem anseios de crescimento interior. Ser é igual a morrer. O que vale mesmo é não ser. E, não sendo, morder o maior número de vítimas possível.

As lições da Saga Crepúsculo são simples. Edgard e Bella demonstram que a vida se revela inútil e que a eternidade é preferível, embora não acene com um mar de rosas. A eternidade, caso os consumidores puderem atingi-la, compreende um oceano de sangue. Quanto mais o vampiro beber de seu conteúdo, mais sedento ficará.

(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras)

____________
*Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

4 comentários:

  1. Gosto de vampiros, mas os de verdade
    Acho esse artigo muito interesante ja que profundiza muito bem o disgosto e horror que tenho ao ver a um vampiro que, originalmente, seduzia as mulheres para converti-las em amantes, procrear filhos e desatar a conquista pelo mundo, virar um "vegetariano" metido a bonzinho. Acho essa saga um insulto ao livro de Bram Stoker, Dracula, Carmilla, assim como a cualquer amante de vampiros e de lobisomens. É uma pena ver e saber que sao esses libros azucarados que falam do amor impossivel e "prohibido" os que ganham fama na molecada de hoje em dia, ao invez de algo mais fiel a lenda dos vampiros ao genero de terror, tal é o caso do "The Strain" do Guillermo del Toro que, mesmo sendo mais hollywoodense e parecendo um filme em livro, fica fiel a guerra entre humanos e vampiros, a conquista do mundo e a todas essas historia de terror pelas quais os vampiros se tornaram famosos e as criaturas míticas que sao mais aclamadas e queridas do mundo.

    ResponderExcluir
  2. O vampirismo invade o novo século recrutando adeptos e divulgando sua ideologia. Antes de qualquer conclusão sobre a suposta existência de vampiros, faz-se necessário explicar o significado do termo. A palavra vampiro veio do húngaro e do alemão vampir, e do francês vampire, que quer dizer:“entidade lendária que, segundo superstição popular, sai das sepulturas à noite para sugar o sangue dos vivos pouco a pouco, a morte por inanição”.Outra definição acrescenta outro significado, qual seja: espectro, espírito ou ‘alma do outro mundo’. A divulgação em massa por meio do cinema, televisão, jornais e revistas é a causa principal para tal cultura flácida em que se envolve a atual sociedade. Para se ter uma idéia, em todo o mundo existe mais de dez mil sites de organizações vampirescas. A origem dos vampiros ganhou popularidade nos últimos cem anos, principalmente por causa do sucesso do livro Drácula, romance escrito na ultima década do século xix pelo irlandês Abraham Bram Stoker. De toda essa avalanche demoníaca que a mídia tem propagado sobre a possível existência dos vampiros, não se pode negar que muitas pessoas estão sendo influenciadas por tais ensinos. Em algumas tribos africanas, por exemplo, o ato de beber sangue de recém-nascidos é muito comum como forma de rejuvenescimento físico e espiritual dos adultos, além de rituais macabros, sexo anormal, entre outras coisas. Tudo por causa do vampirismo, febre que vem atravessando séculos e recrutando adeptos.

    ResponderExcluir
  3. Que bom que vocês publicaram no blog um tema tão atual e que relamente é a linguagem dos jovens,ésse é ralmente o caminho, um blog de uma escola para atingir seu principal público alvo que é os alunos deve primeiramente ser atraente para eles. Penso que temas tão importantes como virgindade, paixão e adolescencia devem ser discutidos mais ativamente nas escolas e os educadores tem uma tremenda responsabilidade visto que estes assuntos muitas vezes não se fazem presentes no circulo familiar cercado de muitos tabus e preconceitos.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pessoal pela matéria sobre Crepúsculo.
    É\ muito bom,pois assim os jovens e adolescentes estarão mais cientes do que veem nos filmes e nA INTERNET.
    UM GRANDE ABRAÇO DE ......-ARARICÁ-RS-BRASIL

    ResponderExcluir